Em Segredo

EM SEGREDO

“Grbavica” (2006, AUT/BOS/ALE/CRO). De Jasmila Zbanic. Com Mirjana Karanovic, Luna Mijovic, Leon Lucev, Kenan Catic, Jasna Beri, Dejan Acimovic, Bogdan Diklic, Emir Hadzihafisbegovic, Ermin Bravo e Jasna Zalica.
Que filme covarde é esse. Como Alfred Hitchcock salientou, existe uma grande diferença entre surpresa e suspense. Para ele o suspense não estava ligado ao medo e sim à emoção. Emoção. É justamente esta palavra que falta em todas as personagens e situações neste drama que se passa na Bósnia-Herzegovina e foi o último vencedor do Urso de Ouro em Berlim.
A trama caminha em torno de um filme de relacionamento entre mãe e filha. Esma (Karanovic) e Sara (Mijovic), moram em Grbavica, bairro de Sarajevo, capital do país. A ação se passa após a guerra dos Bálcãs que devastou toda a área. Mesmo com muitos anos de distância, desde o fim do conflito, as pessoas ainda vivem com os horrores da guerra na mente e tentam seguir a vida sem a presença de muitos familiares e amigos.
Mas se existe alguma coisa “boa” disto tudo, é o orgulho dos filhos de poderem dizer “meu pai é um mártir”. Assim se sente Sara, que repete esta frase, mesmo com tristeza de um encontro não existente e acaba por conta disso fazendo amizade com um rapaz, cujo pai também foi morto na linha de frente.
Uma cena, talvez seja a mais bem feita de todo o longa, é exemplar da falta de relação entre pai e filha, que muito provavelmente é mais forte do que se ele fosse vivo, tomando como ela trata a mãe. Em um restaurante, a mãe diz que o mais a lembra do pai na jovem é seu cabelo, e pode-se ver que como num passe de mágica, virou a parte favorita de seu corpo. Isto, aliás, vai desencadear uma também importante cena ao final, quando é descoberto o tal segredo do título.
Precisando de 200 euros para uma excursão de Sara com a turma do colégio, a mãe parte para todas as frentes em busca do dinheiro. Mas, como forma de auxiliar a turma, o diretor diz que aqueles que levarem o certificado de que o pai foi um mártir, não precisa pagar.
Logo quando a mãe sabe disso e é logo no início do filme, o tal segredo se esfarela no ar: O pai não é mártir coisa alguma. Qualquer espectador descobre isso rapidinho. Mas talvez a diretora estreante Jasmila Zbanic não tenha contado este fato à personagem de Esma, que em momento algum parece viver com este fato.
Voltando a fala de Hitchcock, ao invés de investir no suspense, aqui se alimenta a surpresa, que em nenhum momento se cria. Se botasse a cena em que acontece finalmente a conversa da verdade logo no começo do longa, e assim, desenvolvesse as personagens, poderia fazer jus ao título que recebeu no festival alemão. É como se Zbanic acreditasse que se revelasse o drama de Esma, mesmo se fosse para alguma amiga ou o potencial namorado (e assim ainda continuar com uma possível carga dramática para o clímax entre mãe e filha) estaria estragando toda a experiência ao espectador, quando justamente é o contrário.
Almejando retratar a vida das mulheres que não foram lutar, mas sofreram psicologicamente e estruturalmente com o horror da guerra, não avança neste campo, já que fica tudo muito ao acaso e acaba não dando atenção a nenhuma delas, com exceção da protagonista.
Sem nenhuma relação mais forte e complexa, aqui resta o contraponto entre a mãe dedicada e sofrida e a filha mimada e exigente. As personagens coadjuvantes não são aproveitadas e não merecem a atenção do espectador, com exceção de uma conversa poderosa envolvendo um carro, o que leva à fala: “É incrível como as pessoas eram melhores durante a guerra”, ou seja, o pós-guerra e suas complicações (políticas, financeiras e pessoais) são mais cruéis do que a própria guerra em si. Interessante idéia, mas uma pena que não foi trabalhada.

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