Gritos e Sussurros

GRITOS E SUSSURROS

“Viskningar och rop” (1972, SUE) de Ingmar Bergman. Com Harriet Andersson, Kari Sylwan, Ingrid Thulin, Liv Ullman, Anders Ek, Inga Gill, Erland Josephson, Henning Moritzen, George Årlin, Lena Bergman.
Uma aterrorizante fábula sobre o amor, ou a falta dele e suas conseqüências. Fotografado em um poderoso vermelho e contendo o melhor trabalho na direção de Ingmar Bergman, “Gritos e Sussurros” te deixa em estado de choque, através do brilhante trabalho das quatro atrizes principais. Um momento de felicidade, o instante de perfeição numa ensolarada tarde de outono se esvanece através do sofrimento e da culpa, da redenção dos pecados não cumpridos.
A morte aqui não está presente através de uma personagem específico, e sim está dentro, enraizada em todos os interiores, causando uma morte interna, que parece ser mais profunda do que a morte externa. A tentativa de deixar as coisas mais claras, mas fáceis se transforma em um caminho direto para o inferno, protagonizado por Marie e Karin, enquanto Anna promove uma direção diferente, mas não menos tortuosa.
Deus está presente em sua ausência em todas as formas. As personagens masculinas servem de acessório para corroborar a tese do filme: As mulheres são as almas do mundo. Elas sentem, manipulam, sofrem, percebem, sentem e usufruem a perfeição. Precursor de “As Horas”, “Gritos e Sussurros” é um brilhante exercício de linguagem cinematográfica.Com uma montagem impecável, fotografia brilhante, retratando o interior de cada personagem em um delírio para os olhos, e uma discreta, mas forte trilha sonora, ganha tecnicamente também pelos figurinos em preto, oferecendo um contraste para a direção de arte em vermelho. Vestidos para um funeral constante, a pequena morte de cada dia, as seis personagens passam pelo filme, lembrando de seus compromissos, mantendo a pose, mas esquecendo do amor, da compaixão, da família. A morte já as atingiu, antes que chegue à Agnes, que consegue retornar, talvez em um delírio coletivo, em um sonho de Anna ou em uma verdade que apenas aconteceu naquele espaço. Para depois ser esquecida e servir de base para atormentações futuras.
“A minha filha precisa de mim”, “O meu marido precisa de mim” e neste momento as máscaras caem, e a falsidade, a que uma acusou a outra em momentos anteriores, é comprovada. A irmã necessita naquele momento e só a empregada, que no final levará apenas uma lembrança e um mísero dinheiro vai de encontro ao sofrimento de Agnes.
Talvez o dinheiro realmente seja um mal. Querendo inevitavelmente a posse recém-conquistada e a liberação daquela rotina dolorosa, preferem matar uma irmã que ressuscitou. É o mito de Jesus Cristo, novamente. Marie e Karin preferem o sofrimento causado pela sua própria mão, ou pela própria personalidade, como um caco de vidro na vagina, ou o caso com um médico, que não tem futuro, do que um sofrimento que valha a pena, que lhe traga aquele momento de felicidade novamente.
Mas que momento de felicidade? Fica claro ao estarrecido espectador de como aquela cena final, bela e confortadora na verdade é estarrecedora. Se para Agnes foi libertador, reconfortante e beirando a perfeição, para as outras duas irmãs não passou de um compromisso na agenda — Tarefa do dia: Cuidar da irmã moribunda e confinar com a outra as posses dela. O que fazemos e sentimos é nosso. Só podemos chorar. E sofrer. Nada mais...

>>> O texto foi escrito logo após a revisão deste filme, no dia 11 de junho, em DVD. Mais do que uma crítica, foi um desabafo interno. Como achei o texto e gostei, resolvi publicar aqui. Até porque, acredito e sempre acreditarei que não existe algo como uma crítica imparcial, ou puramente "técnica". Ela deve, em primeiro lugar partir do coração.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home