Cinema Mon Amour

Sunday, May 27, 2007

BRASÍIA 18%



BRASÍLIA 18%



(2006, BRA) de Nelson Pereira dos Santos. Com Carlos Alberto Riccelli, Malu Mader, Karine Carvalho, Othon Bastos, Carlos Vereza, Laura Lustosa, Bruna Lombardi, Déo Garcez, Michel Melamed, Nildo Parente, Ney Sant’Anna, Mônica Keiko, Bete Mendes, Tonico Pereira, Anselmo Vasconcelos, Evandro Mesquita, Ludy Montes Claros, Herbert Richers Jr., Otávio Augusto, Isabella.


Brasília 18% faz parte de um estilo de filme que deveria existir mais no Brasil. Ao invés de focar as lentes de sua câmera nos menos favorecidos, Nelson Pereira, cinqüenta anos depois de abrir os olhos do Brasil para a realidade das favelas, parece fazer o oposto. Num país que tem como cinema político sinônimo de “filmes canhestros sobre a ditadura”, o tempo é o presente, aqui e agora. Brasília, terra da corrupção, de crimes que passam batidos, de políticos que fazem tudo por dinheiro e poder, de um povo que não é visto e nem se faz conhecido pelos seus representantes.

A trama de um médico legista, Dr. Olavo Bilac (Riccelli), que fez fama e trabalha em Los Angeles e vem a Capital para dar o laudo final se o corpo de uma moça é o mesmo cujo desaparecimento moveu o Brasil (como tantos crimes relâmpagos que aparecem e somem dos noticiários) é puro MacGuffin para um estudo sobre a política e politicagem no Brasil, o sensacionalismo, a busca por notícias. Isso acontece claramente em algumas seqüências: Desde quando os jornalistas se mostram decepcionados com o atraso em mais um dia para entregar o relatório, o comentarista político sempre atrás de um furo, até o mais relevante mesmo que é a pouca importância que Nelson dá para a resolução do mistério.

Isso acaba prejudicando a narrativa, porém, já que certas dúvidas óbvias acabam nunca sendo respondidas, ou pior, sendo formuladas pelas personagens. Mesmo que a Eugência Câmara (Ingênua Câmara?) (Karine Carvalho) ligue para Olavo, não seria uma armação? Ou o cabelo que a mãe entrega, não seria o cabelo de outra pessoa? Porque a liberdade de Augusto dos Anjos (Michel Melamed) está tão ligada a não-confirmação do corpo?

Os méritos de Nelson são maiores, porém. Em um cinema completamente apolítico e que tem medo de falar mal dos governantes (até porque, cinema no Brasil ainda é estatal), Brasília vai até o fundo no que Caixa Dois, por exemplo, apenas se inclinou a fazer no título. Os parlamentares são corruptos, sim, pensam só em benefícios próprios, em dinheiros em seus bolsos, e indo o mais baixo possível para conseguir o que querem.

Toda ação acontece em Brasília, e não poderia existir uma cidade mais perfeita para a história. Assim, como nos dois primeiros filmes da trilogia carioca, o Rio pulsa na narrativa, e é de fato a protagonista, Brasília é imponente, na Capital fabricada, em que prédios convivem lado a lado com largas estradas, e todos vivem num pequeno casulo, afastados da nação.

Nesse painel de senadores e deputados, já consagrados pelo povo e que são veteranos no jogo do poder, a que mais parece esculhambar todo o compromisso de ser eleita pelo povo é a Georgesand Romero (Mader), deputada federal, filha de um poderoso senador Sílvio Romero (Vereza, mais uma vez magnífico, tipo de ator que só com a presença já vale o filme). Ela, obviamente foi eleita com apoio e eleitorado do pai. Típica criação de Brasília, e que provavelmente mais morou lá do que em algum estado nordestino em que nasceu (a comparação inevitável é com José e Roseana Sarney), simplesmente não está aí com o fato de ser deputada, nem para armar seus pequenos jogos políticos.

Claro que ela tem um interesse financeiro, de subir na profissão, porém, continua sendo a filhinha do papai (e para isso, os mesmos seguranças do pai, por exemplo, seguem ela, mostrando sua clara submissão a autoridade do pai) e, pior, realmente não dá a mínima para o seu suposto trabalho. Para fugir de uma CPI por exemplo, chama o médico para viajar para Miami. Sua presença em Brasília não é necessária, ninguém vai notar, e para que é necessário uma deputada ir ao Congresso? Sua maior preocupação parece ser a diversão e romances, e ao mesmo tempo passar uma boa imagem, como em seus vestidos sempre certinhos, formais, decotados, e ao mesmo tempo sociais, mas sempre quase sensuais e ressaltando a sua beleza, ou branco ou preto, sem meio termo.

Nesse universo inteiro de figuras parecidas de um daqueles arquétipos de romance, seja o sulista americano do século XIX, o romântico brasileiro (os nomes das personagens, todos referências artísticas, na grande maioria literárias), ou simplesmente da realidade política brasileira (como a presença de referências a ACM, por exemplo), quem se sente exilado é o protagonista Olavo Bilac.

Não exilado de sua terra, mas sim, voltando de um exílio, e parecendo não se encaixar neste lugar tão pode, como distante. Riccelli encarna com perfeição o papel, se deixando aos poucos entregar em um mundo em que não se pode confiar em ninguém, nem em si próprio. Todas as ações são interrogatórias e discutíveis, tudo pode acontecer, como pode não ter acontecido.

Um gênero difícil de se fazer no Brasil, arriscado para alguns (como digamos tratar de políticos, sem dar nomes aos bois) e que é tão banal no cinema americano e europeu, mas permanece um tabu. Falhas técnicas de lado (como o fundo azul no avião), simples bobices (a menina pedindo a Bíblia; juro que achei que haveria ali uma mega situação explicando, mas nada...), esquecidas, é um filme que renova a carreira do cineasta e quem sabe do cinema brasileiro. Porque fazer filmes visualmente bonitos, com uma belíssima fotografia em tons escuros e frios e sobre uma classe alta-alta do Brasil não é um pecado nem cinema alienado ou burguês. É simplesmente, cinema nacional.

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