Cinema Mon Amour

Sunday, September 17, 2006

C.R.A.Z..Y. — Loucos de Amor



“C.R.A.Z.Y. — Loucos de Amor”

“C.R.A.Z.Y.” (2005, CAN) de Jean-Marc Vallée. Com Marc-André Grondin, Michel Côté, Danielle Proulx, Émile Vallée, Pierre-Luc Brillant, Maxime Trembley, Alex Gravel, Natasha Thompson, Johanne Lebrun, Mariloup Wolfe, Francis Ducharme, Hélène Grégoire.


Eu sempre fui acostumado em ver filmes seguidamente, mas de vez em quanto aparece um ou outro, que a melhor coisa a se fazer é relaxar e ficar pensando naquele filme, sem a interferência de ter que assistir a outro longa. Mas em época de Festival do Rio isso é impossível de acontecer. Mesmo assim, lá pelas 11 da noite, quando finalmente saí do Cine Odeon, as lembranças de C.R.A.Z.Y. — Loucos de Amor, primeiro filme da mini-maratona estavam mais vivas do que aquele filme que tinha acabado de ver.

Esse é um daqueles filmes, que pode ter qualquer tipo de falha, seja em atuação, roteiro, direção ou parte técnica, mas contanto que não altere a história e na relação passional entre personagens / espectadores, realmente não importa. Este filme é um daqueles raros em que tudo parece real, porque talvez tudo seja real, sem nenhum enfeite, drama desnecessário ou partes que recebem um tratamento mais açucarado.

Me dá vontade de falar aqui muitas das peculiaridades deste longa canadense, mas quanto mais fresco você for ao cinema melhor, sendo surpreendido a cada instante. A história tem início em 1960, com o nascimento de Zachary, quarto de uma linhagem de cinco irmãos. Acompanhamos seus primeiros momentos e depois três fases específicas de suas vidas: aos 6, 15 e 21 anos, e todas as modificações possíveis e imaginárias que poderiam neste curto, mas longo período de vida.

Se para um garoto normal, já é uma época complicada, para Zac, então os problemas triplicam. Em certo momento, visitando uma espécie de vidente que tinha lhe dito quando criança que tinha um dom, conta “Eu quero ser como todos os outros”. A resposta não poderia ser mais simples e completa: “Graças a Deus você nunca será”. Todos os outros quem? O irmão mais velho irresponsável e drogado? Um outro que só pensa em esportes? Seu pai, que acaba se afastando do próprio filho e atrapalhando seu crescimento?

A relação com o pai é o foco do filme, desde o início, quando tudo era um mar de rosas e o garoto era o favorito dos quatro, até um momento crucial que muda tudo. Mesmo não passando por muitas coisas que Zac passou, qualquer um se identificará com alguma reação do pai ou da mãe, em suas vidas. Assim como Quase Famosos, de Cameron Crowe, é um filme que se torna válido e obrigatório, por ser baseado em fatos reais, que garantem veracidade e um toque humano forte. Mas também em nenhum momento se torna uma biografia, sendo sempre universal.



C.R.A.Z.Y consegue ser único num momento em que mais são lançados filmes examinadores de uma família, ou parte dela, no mercado mundial. Mas mesmo com concorrentes pesos-pesados como Retratos de Família, A Lula e a Baleia e As Chaves de Casa, se impõe pela sua jovialidade e seu jeito de ver e analisar os fatos e situações.

A trilha tem um papel fortíssimo nesse aspecto. A princípio, serve apenas como uma maneira bem-humorada de marcar a diferença de épocas. Mas nem tudo é tão simples. Great Gig in the Sky, do Pink Floyd, um grito angustiante só é representada em algumas cenas, assim como Vallée escolhe apenas os momentos certos para introduzir Patsy Cline. A cena mais saborosa do filme, tem também uma música envolvida: Quando de repente começa a tocar Sympathy for the Devil, na igreja, e todos participantes se envolvem em uma mega apresentação.

A montagem é ágil, não desperdiça tempo e consegue transmitir em pouco mais de duas horas o que muitos filmes não conseguiriam em três. Claro que o mérito disso também tem que ir ao roteiro de Vallée e François Boulay, cujas memórias foram base para o texto. Alguns diálogos são especialmente brilhantes e certas cenas já entraram para a lista de melhores do ano. A fotografia é belíssima e com a ajuda da direção de arte e figurino conseguem transmitir com precisão épocas e modas, assim como a personalidade de cada uma das personagens principais e coadjuvantes. Aliás, o quarto de Zac é uma das mais ousadas e esplêndidas criações do cinema moderno.

E finalmente, nada funcionaria se não fosse o elenco, primoroso, sem perder uma batida. Quase como num revezamento, em que cada um tem que fazer sua parte Émile Vallée (filho do diretor Jean-Marc) cria com perfeição a primeira parte de Zac, e quando Marc-André Grondin, entra em cena, o público parece que tem uma relação de longa-data com ele. Mas consegue ainda superar, com novos dilemas e algumas seqüências de força tremenda, que Grondin agüenta sozinho.

Já em outras, igualmente importantes, ele é auxiliado em cena por um sublime, briguento, honesto, conservador e carismático Michel Côté como o pai, que muda completamente do início ao fim, e promove um ótimo contraponto para a simpática e atenciosa mãe vivida por Danielle Proulx. Outro destaque do elenco é Pierre-Luc Brillant, como o irmão mais velho Raymond, que vive uma relação quase de amor-e-ódio com o protagonista e dos irmãos é o melhor analisado e desenvolvido.

Como eu disse no início, quanto menos souber sobre a história é melhor. Deixe que te contem da melhor maneira possível: no cinema, tendo como narradores as próprias personagens. Garanto que não tem jeito melhor.

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